As “festas dos mouros” na Gomeira no século XVI

A Torre do Tombo permite fazer pesquisas no seu vasto acervo através do seu repositório online, o que nos permite preparar de antemão uma visita ao principal Arquivo Nacional, elegendo os documentos que pretendemos consultar. Existem também, para uma boa parte dos documentos que maior possibilidade de interesse, a representação digital dos mesmos, o que permite que possamos consultá-los sem ter de nos deslocarmos a Lisboa. Entre esses documentos pré-digitalizados estão os registos paroquiais de baptismo de praticamente todas as igrejas paroquiais do país desde o século XVI ao XIX, documentos da chancelaria de todos os reis de Portugal, forais medievais e novos, processos de inquisição e, mais recentemente, relatórios da PIDE.

Por isso, fui indagar pelas presenças do topónimo mais antigo da minha freguesia, e assim, quais as mais antigas menções à Gomeira pesquisáveis no repositório online (digitarq: https://digitarq.arquivos.pt/) da Torre do Tombo …

Da pesquisa vêm três documentos, dois de 1548 e um de 1558, mas os temas abordados nas três permitem traçar um fio condutor entre eles: fazem menções a algo que infelizmente seria tónica nesta terra e que podiam acontecer a qualquer momento nos séculos anteriores mas dos quais não temos qualquer testemunho: incursões de mouros nas costas algarvias.

Começando por 1548, quando o quando o comendador de Cacela Simão de Meneses (1)clama junto de sua majestade a necessidade de vigilância das costas do termo de Tavira, fazendo especial alusão à Gomeira, situada no termo de Tavira, de que seria um ponto preferido para as incursões dos sarracenos nas suas terras. Quatro meses antes, temos uma carta do corregedor de Tavira Diogo Gomes em que esta fala das “festas” (não quererá dizer “fustas”, um tipo de embarcação longa e rudimentar) na Gomeira. Fala também de um notável de Tavira, Lançarote de Melo(2) que encontrou André Aranha e discutiram de modo que Lançarote se terá ofendido. Uma novela menor que o redactor da missiva, o dito corregedor, achou que seria do mesmo relevo para sua majestade relativamente às altercações com os mouros.

Não sabemos qual terá sido a decisão de sua majestade, mas dez anos mais tarde (1558) o clérigo Frei Jorge de Beja escreve do Convento de São Francisco de Tavira dando conta que os “vigias da Gomeira” oprimiam o povo de Tavira. Caso em que uma milícia popular decide por razões não explicitadas revoltar-se e fazer valer o seu descontentamento (falta de pagamento de salários?) sobre a população comum. Não sabemos é se seria uma força organizada por indicação régia ou organizada espontaneamente por necessidade. Fica aberto à especulação.

  • (1) Este documento foi analisado pelo historiador Fernando Pessanha, que dá um contexto para a motivação das incursões mouras
  • (2) Instituiu a capela lateral de Nossa Senhora do Rosário na matriz de Tavira. Foi vereador e pai de Francisco e Manuel de Melo que foram assassinados por Diogo Pessanha, o que esteve na origem do Combate da Campina da Luz entre Melos e Pessanhas

Deixe um comentário