Três exemplos do Barroco em Tavira

Tavira possui um vasto espólio principalmente a nível religioso, sendo uma das cidades com maior número de igrejas por número de habitantes, porventura resultado de ser uma das cidades mais antigas do Algarve, em virtude de ser mesmo a mais populosa da província, segundo a crónica do Reino do Algarve de Frei de São José, em 1577 (Viegas, 1990).

Fachada da Igreja de São Roque, Tavira

Entre as suas especificidades encontrava-se a de ser um ponto de importância comercial e estratégico, dada a sua localização entre o Mediterrâneo, o Atlântico e a costa africana. Neste trabalho vamos falar de alguns casos particulares de peças e estruturas que ornamentam igrejas de Tavira relativamente à época do Barroco.
O período conhecido por Barroco estende-se por dois séculos a partir do fim do século XVI e segue o movimento de Contra-Reforma na tentativa de divulgar a sua mensagem de pedagogia e festividade através da arte (Lameira, 2001, p.1).. Em vez da sobriedade, linhas firmes, proporção e discrição das formas da Renascença, o Barroco impõe-se com a sua animação, fulgor, exuberância e exímia decoração dos elementos. Tais características infundiam no espectador a admiração e o domínio espiritual do terreno.(Santana, 2010, p.73).


Em Portugal e nomeadamente no Algarve o Barroco começa a surgir a partir de 1675, após as pazes com a Espanha na Guerra da Restauração e a investidura de D. Francisco Barreto II como bispo do Algarve. Várias ordens religiosas e confrarias aparecem neste período que encomendam novas obras sacras (Lameira, 2001, p. 2).


Um nome quase obrigatório relativamente à arte de escultura no Algarve nesta época é o mestre canteiro Diogo Tavares de Ataíde (1711-65), também arquitecto, que esculpiu e talhou em diversas igrejas do Algarve. Em Tavira esteve envolvido em vários trabalhos, dos quais vamos destacar dois: a intervenção na fachada da Igreja de São Roque e a obra de reconstrução da Igreja das Ondas de Tavira.


A ermida de São Roque é de origem quinhentista e foi recuperada por Ataíde por volta de 1750. A sua intervenção dotou o pórtico de arcos em cantaria e óculo tetralobado, coroado por um tímpano convexo. Este é encimado por janelão rectangular graduado, coroado por motivos vegetalistas e marítimos, marca do seu autor. O frontão arredondado que se encontra ao centro é ladeado por dois triângulos rectângulos rematados com um leão de guarda cada um. Dois anjos sustêm-se abaixo do arco central como que querendo suportar a estrutura. No seu interior, a igreja é dotada de uma nave única que é separada da capela-mor por um arco triunfal. Duas janelas laterais tetralobadas iluminam a capela-mor, que é encimada por uma cúpula com zimbório cego. O tecto configura-se por uma abóbada de berço, suportando telhado de duas águas e torre sineira em cúpula hemisférica.


Fundada no século XVI, a igreja das Ondas esteve associada ao Compromisso Marítimo de Tavira e é dedicada a São Gonçalves Telmo, patrono dos mareantes. De destacar aqui o pórtico barroco, da autoria de Tavares e Ataíde datado de depois do Terramoto, com frontão triangular fechado com coroa real sobressaída e armas régias em estilo rocaille (Santana, 2018, p. 143), sinal da protecção real dada à confraria de mareantes. Um exemplar semelhante aparece no portal da Igreja de São José, também em Tavira. Na igreja das Ondas o mestre também interveio na reconstrução do arco triunfal.

Tecto da Igreja das Ondas, Tavira (fotografia: Jorge Maio)


Após a conclusão do restauro desta igreja, em 1765 foi adjudicada a pintura do tecto da capela–mor a Luís António Pereira. Nela, o artista, representou as armas reais em estilo rocaille, mas com a perspectiva em trompe l’oeil, a primeira das representações usando este estilo na região, com ornamentos arquitectónicos nas bordas do tecto, composto por arcarias com balaustrada, encimada por jarrões de louça com flores através do qual se vislumbra uma paisagem. Segundo Francisco Lameira, é uma das mais expressivas manifestações pictóricas do rococó no Algarve (Macieira, 2004, pp. 181–4) . Neste tecto, centrado nas armas régias de João V, aparecem dois medalhões laterais com representações de São Telmo e Jesus salva São Pedro das ondas.

Outros exemplos da actividade de Diogo Tavares e Ataíde estão presentes na cidade, com especial destaque nos pórticos das igrejas de São Brás, Nossa Senhora da Piedade, Convento da Graça, São Sebastião e Igreja da Ordem Terceira de São Francisco. Colaborou ainda nas janelas laterais da Igreja da Misericórdia. No aspecto não religioso, participou nos pórticos do actual Palácio da Galeria, na altura pertencente aos Gama e Ataíde, que foram seus patronos. (Santana,2018).
Muito do seu estilo nestas estruturas é marcado por tímpanos decorados com motivos vegetalistas e marítimos, como concheados, floreados e volutas.

BIBLIOGRAFIA:

  • GUERREIRO, Manuel Viegas – Frei João de S. José e a sua corografia do reino do Algarve, 1577. Faro : Universidade do Algarve, 1990
  • LAMEIRA, Francisco – O Barroco no Algarve. Cultura Visual. 2001.
  • MACIEIRA, Isabel – A Pintura sacra em Tavira (séculos XV a XX). Tavira : Edições Colibri, 2004
  • SANTANA, Daniel – Diogo Tavares e Ataíde, Arquitecto Algarvio (1711-1765). Tavira : Colibri, 2018
  • SANTANA, Daniel – Tavira, Cidade das Igrejas. , Tavira, CM Tavira, 2010

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