Três exemplos do Barroco em Tavira

Tavira possui um vasto espólio principalmente a nível religioso, sendo uma das cidades com maior número de igrejas por número de habitantes, porventura resultado de ser uma das cidades mais antigas do Algarve, em virtude de ser mesmo a mais populosa da província, segundo a crónica do Reino do Algarve de Frei de São José, em 1577 (Viegas, 1990).

Fachada da Igreja de São Roque, Tavira

Entre as suas especificidades encontrava-se a de ser um ponto de importância comercial e estratégico, dada a sua localização entre o Mediterrâneo, o Atlântico e a costa africana. Neste trabalho vamos falar de alguns casos particulares de peças e estruturas que ornamentam igrejas de Tavira relativamente à época do Barroco.
O período conhecido por Barroco estende-se por dois séculos a partir do fim do século XVI e segue o movimento de Contra-Reforma na tentativa de divulgar a sua mensagem de pedagogia e festividade através da arte (Lameira, 2001, p.1).. Em vez da sobriedade, linhas firmes, proporção e discrição das formas da Renascença, o Barroco impõe-se com a sua animação, fulgor, exuberância e exímia decoração dos elementos. Tais características infundiam no espectador a admiração e o domínio espiritual do terreno.(Santana, 2010, p.73).

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Sebastião Martins Mestre, o único conquistador do Forte de São João da Barra

O Dia 13 de Junho de 1808, para além de ser o dia de Santo António, marca o dia que a história registou como a única ocasião que o Forte de São João da Barra foi tomado. Não por uma força invasora proveniente do mar, mas por paisanos da própria freguesia da Conceição, liderados por um capitão português que estava afastado do activo por actividades comerciais em Gibraltar, onde se tinha casado e constituído família. O seu nome ? Sebastião Martins Mestre.

Regressado de Gibraltar com a esposa e a filha criança, pouco tempo após a chegada das forças da primeira invasão francesa de Junot ao Algarve em Novembro de 1807, quiçá para se por ao pleno da situação em que se encontravam as suas duas propriedades rurais na freguesia da Conceição, Martins Mestre não terá ficado agradado de ver franceses a tomarem conta da administração e a cobrar impostos sobre todas as actividades primárias, de tal forma que, com a ajuda de “paisanos” e armamento quiçá disponibilizado pela Marinha Real Britânica, tomou o Forte que vigiava a principal entrada marítima à então capital do Reino do Algarve.

Conhecemos estes factos pela carta em que mais tarde o Governador do Reino do Algarve D. Francisco de Meneses relata-os ao príncipe regente D. João, então exilado no Brasil.

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Os “Vaz Velho” de Tavira – a delacção

Manuel José Vaz Velho foi alvo de denúncia de maus tratos à população da Serra de Tavira que foi redigida em reunião de vereação em 1758 e enviada ao rei.

PARTE 2 – A DELACÇÃO DOS MONTESINOS CONTRA O “SENHOR DA SERRA”

Foi referido no artigo anterior, que Manuel José Vaz Velho, filho do cozinheiro real de João V, comprou a propriedade da Serra de Tavira aos descendentes do Manuel Godinho de Castelo Branco, antigo capitão-mor e guarda-mor da Saúde em Tavira a quem a Câmara havia cedido a propriedade por razões de financiamento em 1646. Cerca de 112 anos mais tarde, em 1758 temos notícia que o título havia sido adquirido por Manuel José.

Assinatura de Manuel José Vaz Velho nas atas de vereação de 1758

Em Setembro desse ano, nas atas de vereação que se conservaram do período 1758-62, temos uma entrada na ata muito pouco vulgar, a seguir às assinaturas habituais do escrivão e vereadores segue-se página e meia de assinaturas em cruz que muito provavelmente pertencerão aos campesinos que vieram apresentar as denúncias contra os vexames perpretados pelo “Senhor da Serra”.

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Os “Vaz Velho” de Tavira – ascensão e desvanecimento

Há 300 anos, o magnânimo rei João V teve na copa da sua corte um ilustre natural da Conceição. Por essa graça, a sua família ascendeu socialmente em Tavira durante um século. Primeiro capítulo que serve de introdução à família que erigiu o Palacete da Bela Fria.

PARTE I – INTRODUÇÃO

Placa de travessa na Conceição.

Bem, é chegada a altura de me debruçar sobre aquela que é a única família fidalga originária da freguesia da Conceição – os “Vaz Velho”. Tal como Tavira é o berço de duas outras famílias nobres – os “Corte Real” e os “Nobre”[1] – e, aproveitando o momento actual, em que o antigo palacete desta família está a receber obras para transformá-lo em algo que provavelmente será um “hotel de charme”.

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A primeira referência a “Gomeira” num documento

Neste dia do ano de 1272 finalmente Afonso III e a Ordem de Santiago chegavam a acordo relativamente à propriedade de terras e bens no Reino do Algarve. Entre as terras que o rei concedeu à Ordem contava-se a “Herdade da Gomeira”.

Original do Tomo 3 da Chancelaria de Afonso III (folio 29 verso). A azul referência a “Gomeira”. A verde é visível “Tavila”, “Caçalla”, “Castrum Marim” e “Abenfabila”, último alcaide mouro de Tavira.

Já referi nos primeiros artigos deste blog que a referência a “Gomeira” vem desde tempos medievais, sendo o topónimo mais antigo da freguesia, e as ligações da mesma com a Ordem de Santiago, porque supostamente a jurisdição destas terras terá sido concedida por Afonso III em documento régio pouco tempo após a conquista cristã de Tavira. O Foral de Afonso III, datado de 1266, cujo texto se reproduz aqui em português actual, é no entanto omisso relativamente ao topónimo. Após algum tempo de pesquisa, consegui finalmente entender que a concessão à Ordem é feita fora do âmbito do foral, e feita no contexto das terras algarvias que Afonso III pretendia que ficassem na sua jurisdição após negociar com a ordem as terras que teriam sido conquistadas pelos espatários como foram Cacela, Ayamonte e  Tavira. Afonso III não tinha direito pleno sobre o Algarve, porque ainda estava sob a suserania do seu sogro Afonso X de Castela e Leão. No entanto, em 1267, com o tratado de Badajoz, Afonso III vai ver finalmente obter do seu sogro o direito de cedência da província mais meridional de Portugal no reino lusitano. Com esta questão da fronteira luso-castelhana definida, Afonso III vai então tratar com os representantes da Ordem de Santiago de resolver os diferendos relativos aos castelos e terras inicialmente detidos pela Ordem após a conquista dos castelos.

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Mapa de Tavira e seu litoral (1951)


Carta Militar do instituto geográfico do Exército de 1951, dez anos após o ciclone de 1941. Situação do Litoral entre Fuzeta e Cabanas na altura. É visível a Barra do Cochicho que abriu em consequência do ciclone. Os quebra-mares da barra artificial aberta em 1930 – e que ainda estão visíveis no mapa – marcam a posição dessa barra entretanto assoreada. 

Os topónimos mais antigos da freguesia: Almargem

Já foi feita referência ao topónimo mais antigo da freguesia histórica da Conceição: Gomeira, mas existem outros topónimos igualmente antigos na freguesia, e um deles é o Almargem, que dá o nome à ribeira do mesmo nome que separa a freguesia da Conceição da freguesia histórica de Santa Maria e que surge em mapas muito antigos, pelo menos desde o século XVI. A ideia do presente texto é dar uma ideia de todas as menções existentes em mapas e documentação referente a este topónimo.

No que toca à etimologia do topónimo Almargem, é escusado dizer que não pode deixar de ter origem árabe por causa da sílaba inicial al- . De acordo com o Dicionário de Arabismos na Língua Portuguesa [1] vem de al-marj que significa “prado”,”pastagem” ou “terreno plano”.  É possível que na passado  almargem fosse usado como palavra na língua quotidiana do dia-a-dia, com os significados enumerados antes. Ora o baixo Almargem,  corre num vale que consiste numa grande várzea ladeando as margens da ribeira antes da sua foz. Na verdade, a várzea é um banco de aluvião, composta por sedimentos largados pela ribeira em momentos específicos de inundações em que o curso de água suplanta as suas margens habituais.

Tenho portanto andado muito curioso em investigar a origem do topónimo “Almargem” que, para além de se referir ao vale definido pela Ribeira do mesmo nome e o segundo maior curso de água do concelho de Tavira, define a fronteira entre a freguesia de Tavira e a de Conceição, sendo este traçado bem antigo e que advirá da altura da fundação da freguesia no século XVI. Arriscar-me-ia a dizer que será o traçado de fronteiras mais antigo do concelho de Tavira (a seguir à fronteira das freguesias urbanas de Santa Maria e Santiago, que vem do tempo da conquista cristã – agora unidas depois de 750 anos). A Ribeira do Almargem também é o maior curso de água com caudal que encontramos para quem depois de cruzar o Guadiana entra em Portugal. A Ribeira de Cacela e outros pequenos cursos de água (Álamo, Lacém, Junco, Canada… ) não chegam a ser ribeiros com grande leito…. incapazes o suficiente de impedir uma força de cavalaria de o cruzar (ou “saltar”). A Ribeira do Almargem desagua na Ria Formosa e nos quilómetros finais o seu vale alarga de tal modo que podemos estar perante o que seria no passado um largo estuário que entraria bastante por terra adentro (sendo possível que tivesse existido um estuário comum Gilão/Almargem, onde os dois cursos de água desembocariam). Esse possível cenário em tempos primevos foi discutido numa exposição do Museu de Tavira há vários anos (ver Tavira e os Patrimónios do Mar)[1].

Entre Balsa/Tavira e os povoados mais antigos de maior importância (Castillah/Cacela e Baesuris/Castro Marim) haveria de existir uma via de comunicação terrestre porventura desde o tempo dos romanos e existe uma ponte antiga muito para jusante no vale (a cerca de dois a três quilómetros da foz). Esta ponte velha está classificada como imóvel de interesse público e ainda actualmente está ao “serviço”, com algumas limitações óbvias (proibição de cargas superiores a 15 t na ponte).

Agora no que toca a referências a esta ponte e ao topónimo no acervo histórico, diria que é até interessante. Passemos a referi-las nos parágrafos seguintes.

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As armas da cidade de Tavira

Retratos de Tavira através dos séculos

O secretário-de-estado “Corte-Real”

Diogo de Mendonça Corte-Real, um tavirense secretário de estado de João V e personagem na série de TV “Madre Paula”.

Tenho acompanhado a par e passo a série a ser exibida na RTP às quartas-feiras Madre Paula, não só por se tratar de uma produção histórica, algo ficcionada baseada no romance homónimo de Patrícia Müeller sobre as aventuras amorosas do rei magnânimo João V no Convento de Odivelas, mas também pela presença do secretário-de-estado chamado apenas de “Corte-Real” durante a história. Acontece que o nome completo deste senhor é Diogo de Mendonça Corte-Real, e nasceu em Tavira a , 17 de junho de 1658 , na então conhecida por Rua da Mó Alta(Chagas, 2004)(1) e descendente de um ramo colateral (os “Mendonça Corte-Real”) do tronco original “Corte-Real” de Tavira do século XV(2).  Na série televisiva, o papel é desempenhado pelo actor Guilherme Filipe .

Este D. Diogo estudou leis em Coimbra e serviu de embaixador na Holanda (então  chamada “República das Províncias Unidas”) a Pedro II, pai de João V.

Portugal e a Holanda, viviam,  desde o início do século XVII, e com a criação da Companhia das Índias Orientais por parte dos holandeses, um estado de guerra quase permanente, conquistando muitas possessões portuguesas e fazendo pirataria ao nosso comércio marítimo. Por virtude de Diogo de Mendonça Corte-Real, os estados gerais da Holanda concederam em pagar uma indemnização de Oitenta mil patacas a Portugal.

Como prémio deste feito, Pedro II considerou movê-lo para embaixador em Espanha e por lá se manteve durante dez anos, até regressar a Portugal por virtude da Guerra de Sucessão Espanhola. Esteve envolvido por parte de Portugal nas negociações do tratado de Utreque, que pôs termos ao conflito e que da parte do Portugal ajudou ao reconhecimento da colónia portuguesa entre os Rios Amazonas e Oiapoque, para além da soberania da colónia do Sacramento, actualmente dentro do Uruguai.

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