PARTE I – INTRODUÇÃO
Bem, é chegada a altura de me debruçar sobre aquela que é a única família fidalga originária da freguesia da Conceição – os “Vaz Velho”. Tal como Tavira é o berço de duas outras famílias nobres – os “Corte Real” e os “Nobre”[1] – e, aproveitando o momento actual, em que o antigo palacete desta família está a receber obras para transformá-lo em algo que provavelmente será um “hotel de charme”.
Penso que este momento seja uma boa oportunidade para relembrar esta família, que tem descendentes ainda a viver em Tavira e na própria freguesia de onde procedem. Uma família que teve origens humildes, e que por mão divina ou prodígio do destino, se quiz que os descendentes de um cozinheiro (ou pasteleiro) da corte do rei magnânimo (João V) pudessem elevar a sua condição social na cidade sede da freguesia de onde são originários, e da mesma maneira como subiram socialmente, também não gozaram muito tempo dessa condição, após um século. Um palacete em Tavira que em dimensões provavelmente só rivaliza com o do visconde da Capelinha situado na Praça António Padinha (Jardim da Alagoa) (1).
E em termos resumidos, e o que sabemos dos documentos é isto: Manuel Vaz Velho, foi cozinheiro real do rei João V, e era natural da freguesia da Conceição, filho de Domingos Dias (Vaz) Velho e Bárbara Raposo (2), que viviam “humildemente” na freguesia[1]. (3)
Um dos filhos, homónimo do pai, Manuel José, granjeando da fortuna do pai que este terá acumulando na corte do rei magnânimo, e residindo em Tavira, comprou a antiga Horta da Belafria [1] e o título de Senhor da Serra de Tavira aos descendentes de Manuel Godinho de Castelo Branco [1] e para fazer bem visíveis os a posse dos seus haveres, erigiu o seu palacete em posição sobre-elevada na encosta da colina sobranceira à Belafria voltada para o rio, perto do início (ou fim) da estrada que ladeia a margem oeste do vale do Séqua até ao Centro de Transportes. Estrada que por acaso era um dos acessos da Serra à cidade. Pelos vistos seria sua intenção mostrar a quem por lá passava que ele era o dono de facto das serranias, para além de querer demonstrar à nobreza titulada de já vários séculos em Tavira como os Corte-Reais, Gamas e Ataíde, Pimentéis, e outros que tais, a sua nova distinta posição. A isso e ao povo da Serra, que pelos vistos ao que vimos a saber, por carta enviada do vereador municipal Pedro da Fonseca Pimentel [1] a sua majestade el-rei D.José em 1758 dando conta das queixas da população montesina de que Manuel José os submetia a humilhações e provações por exigir o “tributo” que lhe era devido por estarem a ter usufruto dos “seus” vastos domínios das serranias. D. José, ou melhor, o seu secretário, de nome Sebastião José de Carvalho e Mello, já marquês do Pombal, entendeu que o filho do cozinheiro tinha saído dos seus ditames e decide extinguir o título de Senhor da Serra uns anos mais tarde (1771) (4) [1].
Mas a saga dos Vaz Velho de Tavira não termina aqui. Manuel José alcançou a honraria de ser admitido na Ordem de Cristo (5) . Já o seu irmão António José que foi capelão de sua majestade e que residia em Lisboa também tentou obter o hábito da ordem de Cristo, mas reprovou já que o júri o considerou que por ser neto de gente que “vivia humildemente” e por ter pai cozinheiro e avô pasteleiro não era digno de envergar o hábito da ordem(6).

Apesar de tudo, a família não perdeu a sua riqueza e prestígio, que se manteve, tendo vários membros da família ocupado vários cargos importantes na cidade, para além de párocos, como foi com um dos filhos do ex-senhor da serra, Joaquim José, pároco da freguesia de onde a sua família era originário de 1786 a 1803, mas mais haverá para contar a respeito de outros membros desta família e o desfecho final do seu solar. Principalmente no que toca ao neto António José Vaz Velho (7) , que foi militar e autarca, e que conseguiu para além de ser cavaleiro da Ordem de Cristo como o avô também obteve carta de armas.
Em 1861, após a sua morte, o seu filho natural António dos Santos
[1] venderia o palacete a um antigo vereador municipal, Manuel Vila Lobos e Aguiar, retirando desta forma a propriedade do palacete à família. Uma sua tia, Anacleta Balbina, foi a última prioresa da Ordem Carmelita na cidade, faleceria poucos anos depois.


NOTAS
- (1) Perdoem-me se puderestar a desconsiderar os actuais descendentes de alguma antiga aristocracia secular de Tavira se me esqueci de alguém!
- (2) A família Vaz Velho, ao que tudo indica, não é originária da Conceição de Tavira, isto é, de usar o apelido Velho em conjunto com Vaz, pois uma simples pesquisa nos arquivos digitais mostra indivíduos desta família por todo o país, já no século XVI. Tudo parece apontar que o pai do cozinheiro Manuel, Domingos Dias Velho, seria também Vaz Velho. Adérito Vaz afirma que a sua mãe Bárbara Raposo teria o apelido Vaz, mas isso não parece corresponder à realidade. Agora, os Vaz Velho de Tavira, isso sim, pode-se afirmar que são oriundos de Conceição.
- (3) Por outro lado, o facto de apenas a partir de 1686 se iniciar o registo paroquial de baptismos na freguesia de Conceição inviabiliza determinar a verdadeira procedência dos pais do cozinheiro real. Outra hipótese seria que o pai teria outro apelido principal, nomeadamente o Sarre, pois existem vários membros “Velho de Sarre” oriundos do Sotavento algarvio, nomeadamente de Castro Marim.
- (4) Translado da declaração da anulação da concessão da Serra a Manuel Vaz Velho patente na compilação Colleccao das leys, decretos, e alvaras, que comprehende o feliz reinado del rey fidelissimo d.Jose nosso senhor, volume III, impresso em 1775.
- (5) Habilitação à Ordem de Cristo de Manuel José Vaz Velho
- (6) Habilitação à Ordem de Cristo de António José Vaz Velho
- (7) Processo de Justificação de nobreza para uso de brasão de armas de António José Vaz Velho, neto
Um comentário em “Os “Vaz Velho” de Tavira – ascensão e desvanecimento”