Ou por outras palavras, as “Terras da Ordem”, visto que as “terras da Gomeira” foram concedidas pelo rei Afonso III no seu foral a Tavira à Ordem de Santiago. Terminavam e começavam onde ?!
Eu já tive oportunidade de discorrer sob este assunto no primeiro post que fiz neste blog, e que está também na razão de lhe ter dado o nome de “Historias da Gomeira”. Visto que o blog iria incidir sobretudo a história antiga e recente das terras que hoje em dia pertencem à denominada “União de Freguesias de Conceição e Cabanas de Tavira”, que tem uma parte rural, serrana, e uma parte urbana, que está sobretudo implanta litoral. Ao falar de Gomeira terei implicitamente de me referir a todas as terras que fariam parte implícita dessa antiga herdade referida por Afonso III no seu foral e cedidas à ordem de Santiago. E para fazer uma delimitação de um terreno, terei de achar os quatros lados da figura, cada um respeitante a um ponto cardeal: já sabemos, que para sul a Gomeira era limitada pelo mar, falta descobrir os limites para norte, este e oeste.
Nada disso vem referido no documento do Foral Antigo, apenas se referindo à “Gomeira”. Se formos pelo facto de na história, todos os terrenos da Ordem terem sido administrados por comendadores (no caso de Cacela) e/ou foreiros (que aforravam directamente à Ordem ou ao comendador), no caso da Conceição, penso que estamos perante foreiros. O que é certo é que relativamente a notícias a respeito da Gomeira após 1266, data do Foral Velho, existe novas notícias apenas em 1483, citados por Anica(1993), com mais pormenor em (Anica,2008), baseando-se em ambos os casos, em Cavaco(1987).
Nesse ano, já em reinado de João II, os Corte-Real, da linhagem de Gil Vaz da Costa, quiseram receber a comenda da Ordem (ou tornarem-se foreiros, ao certo não sei) para as terras da Gomeira e requereram a delimitação precisa das referidas terras. No referido documento falam de uma “canada”(2), e vem a certa parte referido que “algumas pessoas se haviam apossado do limite leste da referida canada, foi requerido que fosses feita a demarcação das ditas terras pela canada que desde a Fonte da Gomeira ia até as alagoas” (sic). Indago qual seria a origem desta “Fonte da Gomeira”? Seria uma nascente natural, tipo “termas”. Ou seria uma fonte construída pelos comendadores ou foreiros daquelas terras para fixar os camponeses que laboravam nas suas terras, de forma a incentivá-los a construir residência, o que veio a dar origem ao povoado que se veio a chamar de Conceição, quando foi erigida a referida igreja que criou o topónimo para o novo povoado. E as “alagoas”, o que seriam? Seriam simplesmente sapais largos que eram alagados pela água da preia-mar que naquela se estendiam por toda a zona que hoje em dia é ocupada pelo povoado das Cabanas (parte-se do princípio, confirmado por geólogos, antes da tendência actual de subida do nível do mar pelo aquecimento global, a tendência era para a descida por causa da “Pequena Era do Gelo“), e o nível do mar devia ser um pouco mais alto que o actual, ainda a recuperar da chamada “Transgressão flandriana“, como os geólogos chamam ao aumento do nível do mar que se seguiu ao último degelo, até há cerca de 6000 anos. Daqui depreendemos que os referidos terrenos já não estariam na posse total da Ordem, visto “algumas pessoas se haviam apossado do limite leste da referida canada” (sic), limite leste, portanto do trajecto do Ribeiro da Conceição para leste.
Certo é que a freguesia da Conceição foi constituída em 1518, usando o Ribeiro do Almargem como limite oeste, separando-a da Freguesia de Santa Maria de Tavira, e a norte a freguesia estender-se-ia pela serra dentro, até junto do início do vale da Ribeira do Beliche, que tem um vau no sítio dos Cintados, como actualmente. Quanto ao limite leste, Anica(1993) refere o auto de demarcação efectuado em 1613 dos limites dos termos de Cacela e de Tavira fazendo menção ao chamado na altura Ribeiro de Afonso Martins (actualmente Ribeiro do Lacém), onde foram colocados vários marcos em várias estradas e caminhos que circulavam entre os dois Termos (mais uma vez, recordo que Termo era a palavra usada no passado para o que chamamos actualmente Concelho). Essa acto de delimitação teve lugar na Igreja da Conceição e estiveram presentes diferentes personalidades de cada um dos povoados (Cristóvão Galvão, corregedor de Tavira; Domingos Alves como “Juíz de Fora” e três vereadores de Tavira Baltazar de Siqueira, Estêvão de Faria e Domingos Pacheco de Mello, terminando com o procurador do concelho de Tavira Diogo Raposo.
Por Cacela compareceram o Juíz Pero Diaz, o vereador Pero Fernandes e o procurador do concelho de Cacela António Correia e Pêro de Freitas Comendador da dita Villa (sic)”.
O mapa de 1774 de Sande de Vasconcelos sobre o Termo de Cacela, do qual se mostra no fim deste artigo, aponta claramente os referidos marcos, ainda intactos 150 anos depois.
No fim deste artigo aparece a porção oeste de referido mapa, onde se encontram evidenciados 3 marcos do limite dos concelhos posicionados em 3 estradas. Uma curiosidade extra a respeito deste mapa: em baixo junto da foz do Ribeiro, temos o nome de um proprietário dos terrenos aí adjuntos: José Roiz Allaçém . Foi a partir daqui que o ribeiro terá mudado de nome.
Portanto, isto são os limites da freguesia da Conceição, tal como terá sido originalmente criada, no século XVI, após a inauguração da sua Igreja.
Portanto a Gomeira partilha os limites este e oeste da Freguesia da Conceição ou União de Freguesias, mas relativamente ao seu limite norte ? Aonde ele terminaria, seria na antiga estrada Real de Tavira para Castro Marim (que o traçado da Nacional 125 segue, mas desviando-se dos centros populacionais e na qual eles devem a sua origem, como Conceição, Vila Nova de Cacela, ou a Luz de Tavira). Pelo mapa referido, de 1774, vemos pelo menos três estradas onde foram colocados marcos de divisão de concelhos.
Acredito que relativamente à herdade do Benamur, que agora é um campo de golfe, situado imediatamente a norte da estrada, há razões para crer uma ligação bem forte com o povoado da Conceição, bem desde o seu início. Não que queira dizer que o Benamur (ou Benamor) tenha esta incorporado nas concessões da Ordem como fazendo parte da “Gomeira”, mas porque foi em alguma altura da sua existência um morgado, por possuir uma pequena capela, e isso aponta para um nobre proprietário da referida herdade. Anica(2008) admite a antiguidade do lugar do Benamor, pela maneira como o termo parece soar a qualquer coisa em árabe (ben significa filho) que pode ser tão antigo como a Gomeira mas evita, na falta de provas, de admitir a possibilidade de ligação. A única ligação que parece existir é física, já que o velho ribeiro da Conceição tem lá origem e cujo canavial que o bordeja e que constitui a chamada “Canada” serviria para delimitar terrenos no passado e seria a base para o caminho principal mais antigo para chegar do povoado da Conceição até à Ria, de tal forma que o acompanhava sempre na margem direita, passando depois por uma velha ponte que foi reconstruída há uns poucos anos, mas que devia ser de onde partia depois o caminho que ia ter ao Forte de São João.
De referir que Cacela, apesar de ser sede de concelho, nunca teve um alcaide, visto o seu castelo se ter arruínado, e em vez disso tinha um comendador, que geria as propriedades em nome da Ordem de Santiago.
Limites dos Termos de Tavira e Cacela (1774) Da autoria de Sande de Vasconcelos..
Certo é que a freguesia de Cabanas, que ficava mesmo dentro dos antigos terrenos da Gomeira, teve uma existência breve (1997-2011). Nessa altura, Cabanas desvinculou-se da freguesia progenitora usando a linha férrea como traçado de delimitação pela ponta norte e usando os antigos limites da freguesia da Conceição a oeste e leste para se delimitar por um lado da freguesia de Santa Maria e Cacela (que são os Ribeiros do Almargem e do Lacém, respectivamente – este último representava o termo do antigo concelho de Tavira).
Notas
(2)Uma canada, de acordo com o wikcionário, pode não ser simplesmente um canavial que se desenvolve naturalmente bordejando um pequeno ribeiro, ele também é usado noutros contextos como por exemplo para indicar um caminho ou uma divisória entre propriedades. No nosso caso, seria o ribeiro da Conceição, que pela seu trajecto natural, com um canavial, se tenha desenvolvido um caminho ou limite de propriedades que da Fonte da Gomeira iria até as “alagoas” (sapais, na Ria).
Bibliografia:
- Cavaco, Hugo (1987). Visitações da Ordem de Santiago no Sotavento Algarvio : subsídios para o estudo da história da arte no Algarve. Vila Real de Santo António: Edição da Câmara Municipal
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