Curioso tenho eu andado a querer saber mais de cada uma das pontes de Tavira. Da romana, já muito se escreveu e disse, que não é romana, se bem que a forma dos seus arcos ainda faz lembrar as típicas pontes romanas, que foi alvo de sucessivas reconstruções ao longo de séculos, etc.
Das outras pontes, as que foram construídas já neste século as mais antigas são as pontes ferroviária (concluída em 1905, salvo erro) e a ponte da Estrada Nacional 125 ou “Ponte do Séqua”, inaugurada em 1968.
Há mais pontes, eu sei, foram construídas mais três e uma delas era apenas para servir de solução provisória (Ponte das forças armadas), a Ponte das Salinas ou Ponte Nova, e a Ponte de Santiago ou simplesmente “Ponte Azul” (eu prefiro-lhe chamar “Ponte da Belafria”). Se contarmos a Ponte de São Domingos, que já está fora do perímetro urbano, são ao todo actualmente sete pontes (sem contar o viaduto da A22), mas que servia evidentemente para os moradores da Serra poderem atalhar caminho sem terem que descer toda a margem esquerda e internarem-se pelo sector “leste” da cidade para depois atravessarem a Ponte Romana e chegarem ao mercado. Sob esta última ponte ainda não consegui encontrar nada na bibliografia e a respeito do convento associado consagrado ao mesmo santo.
Relativamente à Ponte do Séqua, existe uma inscrição do próprio ano de inauguração à entrada da ponte:
JAE (1968)
Alguém me sugeriu (concretamente, o amigo Ofir Chagas), que consultasse o “Jornal Povo Algarvio” referente às datas entre 1966 e 1968. E assim fiz, desloquei-me à biblioteca municipal, da qual tenho cartão de leitor – biblioteca, aliás, ainda está em obras – pedi pelos volumes referentes àqueles anos e o que me puseram nos braços foi três capas volumosas com a compilação deste jornal para os anos referidos. Acontece que os exemplares do dito jornal não era já o papel original, mas apenas fotocópias. Não que isso diminuísse a qualidade da consulta e o meu propósito. Mas o papel das fotocópias é mais pesado que o papel de jornal, e o peso dos volumes das compilações eram bem pesados. Só estes três volumes anuais de jornal preencheram a capacidade disponível máxima dos meus braços para agarrar, de forma que quando entrei na sala de leitura tive sorte de um passante me abrir a porta por inteiro para eu poder passar porque, como disse, estava com os braços completamente ocupados com os ditos três volumes. Sentei-me ali logo nas primeiras mesas à direita que dão para o pátio, ainda em obras e que eram o pátio da antiga prisão, e depois de desarmar o laço que segurava as capas do ano de 1966, dei-me de caras com a edição de Ano Novo de 1966.
O jornal “Povo Algarvio” dá nome a uma das ruas de Cabanas, que foi uma das ruas que não foi “rebaptizada” após a “lavagem toponímica” feita pelo executivo da freguesia de Cabanas de 2001 a 2005 dos nomes das ruas que tinham sido atribuídos nos tempos da ditadura. Mas, após uma ligeira consulta aos primeiros números comecei a deparar-me com a realidade que estava mais perante um veículo de propaganda do Estado Novo do que um jornal realmente interessado e preocupado com os problemas das populações. Bastava referir que as notícias das visitas de um ministro do governo central merecia imediatamente atenções de primeira página. Deparei-me com uma publicação com colunas chauvinistas a propalar as maravilhas do Algarve, sem referir reais dificuldades das populações, no entanto, para ser sincero, de vez em quando aparecia uma notícia da queda de um edifício, como aconteceu uma vez da muralha de Tavira que dava para a Rua dos Pelames. Ou as queixas constantes de que o sinal de TV não chegava com força a todas as partes do Algarve. Mas crítica social séria, muito pouca, ou quase ausente. Mais e os editoriais a respeito do comunismo e de que tudo o que estava mal no mundo era dos “vermelhos” (lembrar, estávamos em Plena Guerra Fria) a nível global.
Constantes referências ao (contra-)almirante Henrique Tenreiro, que era a figura mais omnipresente na primeira capa do jornal, visto ser o deputado único do Partido Único ao “Parlamento” pelo Algarve.
Tenho que confessar que escolhi primeiro o ano de 1966 porque pensava que aeroporto de Faro tinha sido inaugurado precisamente nesse ano. Erro meu por pouco, pois tinha-o sido no ano anterior, mas havia notícias ao aumento das rotas asseguradas pela TAP a nível doméstico e o primeiro voo Faro-Londres assegurado pela TAP.
O que estava à espera de consultar era os efeitos que a inauguração do Aeroporto foi tendo sobre a Região e, sabendo que pelos vistos foram os aviões que afugentaram os atuns da Costa, porque é estranho, com a inauguração do aeroporto começaram a escassear as capturas das armações. (Isto é apenas uma ironia minha a querer ver “sentido” em meras coincidências!). Mas as notícias da decadência das armações estavam bem presentes.
Acabava-se o maná do atum, começava o maná do Turismo e o que era natural era o início da construção de novos hotéis, e conjuntamente com isso a melhoria das acessibilidades para os já existentes. Ora, sabendo que já em 1966 Monte Gordo, a mais antiga estância balnear do Sotavento Algarvio, já dispunha de dois hotéis de primeira categoria – o “… das Descobertas” e o “Vasco da Gama” – era natural que a Ponte do Séqua, o viaduto da EN125 antes da Caiana sobre o caminho de ferro e que eliminava uma passagem de nível e o desvio da EN 125 do interior da Conceição de Tavira fossem tudo obras que tivessem tido lugar neste triénio. Provavelmente tiveram, mas este jornal estava mais preocupado em colocar o (contra-)almirante Henrique Tenreiro na primeira página, falar de homenagens a António Cabreira (passando por cima da memória do irmão mais velho Tomás Cabreira, sem uma única referência!), e das “triunfais” visitas dos senhores ministros nomeados pelo dr. Salazar. Jornal redigido por gente habituada a estender a mão com a palma para baixo. No volume de 1966, nem uma referência à epopeia da equipa de futebol dos magriços no Mundial de Futebol de Inglaterra. A minha desilusão continuou por aí adiante, mas vi o Hotel Eva de Faro ser inaugurado em 1967 enquanto ia desfilando rapidamente pelas páginas fotocopiadas deste jornal. Nada de referências a obras na principal via do Algarve para chegar mais depressa a Monte Gordo. Nada. Zero. Isto apesar de nalgumas edições ostentar o termo “Esta edição foi alvo de censura prévia”. Bingo! Era apenas um “filler” para ocupar espaço na matriz da imprensa quando sobrava espaço.
Relativamente a Cabanas e Conceição, muitas referências à Casa do Povo, quase nada ao Clube Recreativo Cabanense e os prémios do Grupo Columbófilo Cabanense apareciam no entanto com alguma regularidade nesses três anos. E nada, nada sobre as obras da nova Ponte do Séqua, e a EN125, até que apanhei uma pequena secção de alguém a queixar-se de como as indicações das obras do novo desvio da variante de Tavira estavam a provocar estavam a causar transtornos no trânsito local.
Chegamos a 1968. Sabendo que este era o ano da “queda” (da cadeira!) de Salazar, fui folheando ansiosamente todos os exemplares fotocopiados até chegar ao mês de Agosto. E lá apareceu. No primeiro canto superior esquerdo da página apareceu em grande que “O Professor Doutor Oliveira Salazar entrou em franca convalescença” com este órgão de propaganda do regime a dar voz aos que tinham ainda esperança de ver o velho santacombadense se fosse levantar da cama, qual Jesus ressuscitado e a fazer discursos da sua recuperação miraculosa. Não aconteceu o ansiado milagre. Exemplar da semana seguinte, desfecho inevitável: Marcelo Caetano nomeado presidente do concelho ! Não pedi o volume de 1970, para provavelmente ir ver quatro edições consecutivas num único mês deste jornal a dar destaque ao funeral do velho ditador.
Mas, mesmo a encerrar o último volume de 1968, eis que aparece finalmente aquilo que estava à espera: a fotografia da nova Ponte do Séqua com os carros a passar em cima do tabuleiro. Afinal a tal ponte já tinha sido inaugurada e o jornal nem deu conta disso na primeira página. A deslocação à biblioteca e duas horas perdidas a folhear os volumes deste velho panfleto propangadístico disfarçado de jornal regional finalmente tinha sido compensanda com a foto que se mostra abaixo:
Foi a única coisa que se aproveitou de duas horas de deslocação à biblioteca, para além de curiosidades como a história de um agricultor “herói” do lugar das Solteiras que defendeu a tiro uma tentativa de investida de duas raposas no seu galinheiro (por um momento fiquei a pensar que as galinhas eram os portugueses que estavam vivendo nas colónias em Guerra e as raposas eram os “turras”!) – pela censura, o jornal não podia dar notícias quaisquer que fossem sobre o que se estava a passar no Ultramar, mas inconscientemente, alguém usou esta história para “dar de exemplo” para não se meterem “com o que era de Portugal por seu direito desde há 500 anos” (sic).
Para não esquecer a notícia de que a cadeia de Tavira esteve sem um único preciso de 1959 a 1964, o que para eles significava “a boa índole da nossa gente” (sim, e os presos políticos iam para onde ? Em Tavira não ficavam de certeza!). Tavira era mesmo uma cidade “descanso de alma”.
Apesar de tudo, de destacar alguém no meio disto tudo é a memória do doutor Jorge Correia, nomeado para mais um mandato como presidente da câmara em 1967, no meio de uma clara unanimidade . Mas esta, para falar a sério, esta devia ao menos ser autêntica.
Chego a casa, e trato e folhear o “Memórias de uma cidade” do amigo Ofir Chagas, lá numa resenha dos jornais regionais algarvios, o amigo Ofir relata que foi “o jornal de mais longa duração no Algarve, de 1934 a 1975. E que não sobreviveu à nova sociedade tavirense que surgiu depois do 25 de Abril de 74.” Pois claro, como haveria de sobreviver !? Serviu para o que serviu durante 41 anos, para depois disso, o verdadeiro “povo algarvio” já não ia em cantigas.
Mais fotos do Jornal Povo Algarvio (no triénio 1966-68)