Fortes, muralhas e castelos para proteger dos males que vêm do mar

Diziam os astecas quando viram a chegada das naus castelhanas vindas do mar comandadas por Hernán  Cortez em 1521 que se concretizava a profecia da vinda do seus Deus Quetzálcoatl, a serpente emplumada, que haveria de preparar o fim do Império Asteca. A costa algarvia podia não estar ameaçada pelos castelhanos, pois já era bem…

Diziam os astecas quando viram a chegada das naus castelhanas vindas do mar comandadas por Hernán  Cortez em 1521 que se concretizava a profecia da vinda do seus Deus Quetzálcoatl, a serpente emplumada, que haveria de preparar o fim do Império Asteca.

A costa algarvia podia não estar ameaçada pelos castelhanos, pois já era bem conhecida deles, mas também não estava a salvo da investida de corsários e piratas esclavagistas mouros que gostavam de pilhar sobretudo as igrejas e os conventos locais e sequestrar populares para venderem como mão-de-obra escrava.

Não existem relatos concretos de investidas da pirataria moura, mas as mais antigas fortificações na zona da Ria Formosa, ao contrário das da linha da Foz do Tejo, não resistiram a maior parte delas em virtude do grande dinamismo deste troço da costa algarvia. De modo que as poucas fortificações que ainda subsistem são precisamente as que foram erguidas do lado interior da Ria, e não as que foram erigidas nos próprios cordões dunares.

Um dos mais antigos mapas conhecidos do Algarve, supõe-se que desenhado em meados do séc. XVIII, uma vez que Vila Real de Santo António ainda não surge nele, refere vários fortes na zona da Ria, alguns bem conhecidos e que sobreviveram (Rato, chamado de Forte Velho no mapa, São João da Barra, assinalado como da nova barra de Tavira e, finalmente, Cacela) e outros que foram submersos (São Lourenço) na saída para o mar dos portos de Olhão e Faro. Não são conhecidos mais fortes nas ilhas da zona de Faro que tivessem sobrevivido à erosão.

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Excerto de mapa da costa leste algarvia de meado do séc. XVIII.

Na cartografia dos espaços fortificados existentes em finais do século XVIII é de destacar o papel do engenheiro militar José Sande de Vasconcelos. Responsável pelo governador militar do Algarve por inventariar o estado de todas as baterias e fortificações costeiras, para além de ter estado envolvido na construção do Quartel da Atalaia em Tavira e na edificação do zero de Vila Real de Santo António, histórias que ficarão para desenvolver noutras oportunidades. Para além de referir as mais bem conservadas : que são do Forte de Santo António (ou do Rato) em Tavira, São João da Barra em Cabanas e o Forte de Cacela. O denominador comum destes fortes é o mesmo: eles foram erigidos para defender a margem interior terrestre da Laguna das investidas de um atacante pelo mar consoante a localização da Barra Natural na época de construção: enquanto que o forte de Santo António foi erigido em meados do século XVI, pouco antes da malograda aventura de Alcácer Quibir, o de São João da Barra (que conserva no nome a origem da sua localização, foi terminado após o fim da guerra da restauração que se seguiu ao 1º de Dezembro) onde perto veio a crescer a povoação de Cabanas de Tavira e finalmente o forte de Cacela, erigido mais tarde quando o prolongamento do cordão dunar tornou necessário também a existência de uma fortificação. Para mais, a fortificação de Cacela é um elemento moderno numa porção de uma povoação que perdeu população e que era sede de concelho que separava Tavira de Castro Marim (extincto pela criação do concelho de Vila Real). É de crer que no passado Cacela seria defendida por um poderoso castelo de maior dimensão: o castelo de Cacela que foi conquistado aos mouros pelos cavaleiros da Ordem de Santiago. Continuar a ler “Fortes, muralhas e castelos para proteger dos males que vêm do mar”

Uma costa que não sabe ficar quieta!

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Animação ilustrando 32 anos de movimentos costeiros das barras da Ria Formosa, de 1984 a 2016 (fonte: Google Earth Engine)

Do Ancão a Manta Rota, por essa costa fora, um areal praticamente contínuo estende-se como uma corda frouxa em arco perfeito protegendo zonas de sapal, canais de navegação e acessos a portos e docas de recreio. Estamos na Ria Formosa, alvo de protecção especial de acordo com os valores naturais que ostenta. Nas esta corda de areia não é perfeita, na realidade, ela é interrompida em seis pontos, originando um total de sete segmentos. Quatro destes pontos não ficam no mesmo lugar e movem-se para leste, os outros dois são fixos. Este complexo sistema dunar tem milénios de existência, terá começado após o fim da Última Glaciação há 15 mil anos e terá conhecido diferentes encarnações, sendo que os mais antigos foram sendo incorporados em terra firme, provocando o recuo do mar em contraposição ao avanço da costa.

As movimentações destes pontos que individualizam os segmentos ao longo de séculos tiveram consequências para o desenvolvimento das áreas urbanas no que toca às suas suas comunicações com o mar. Também determinaram a construção dos sistemas defensivos, de que são testemunho os fortes militares deixando pelo passar do tempo e outras construções, como os moinhos de maré ou as salinas.

O dinamismo do cordão dunar da Ria Formosa é de tal forma complexo que existe uma multiplicidade de estudos relativos relativamente à maneira de manter os ritmos naturais em harmonia com as necessidades, especialmente no que toca à necessidade manter a estabilidade dunar das ilhas barreiras e das comunicações para o mar relativas às actividades portuárias que têm lugar em diferentes locais neste sistema lagunar, sendo de destacar Tavira, Olhão e Faro e em menor escala Fuzeta, Santa Luzia, Cabanas e Cacela.

Em baixo um pormenor do vídeo que mostra a deslocação da Barra chamada do “Lacém” durante um período de 32 anos, de 1984 a 2016.

BIBLIOGRAFIA:

A origem do topónimo "Gomeira".

Topónimos são nomes que usamos para nos referirmos coloquialmente a lugares geográficos ou populacionais  sem sabermos realmente da sua origem, cuja memória se perde desde tempos imemoriais.

Gomeira é porventura o topónimo mais antigo em toda a freguesia da Conceição. Ele persiste no nome de uma fazenda privada e na urbanização da “Quinta da Gomeira”, para além de figurar também na pesquisa de base de dados de códigos postais dos CTT, entre outros.

O “Google Maps” também aponta para um lugar com essa denominação e não parecem existir muitos mais lugares em Portugal com o mesmo nome. De acordo com o Dicionário luso-brasileiro “Gomeira” é um nome colectivo que pode ser usado de modo genérico para indicar árvores de frutos mas também para designar prados de plantas que libertam gomas, nomeadamente resinas. Estaria a designar uma mata de pinheiros bravos que é uma árvore resinosa ? Mas o facto de o termo ter sido usado pela primeira vez por Afonso III no seu foral de Tavira pouco tempo após a conquista da cidade do Séqua sugere que o termo já existia no século XIII, ou pelo menos terá sido criado nesse tempo. Como no mesmo foral o referido rei entrega toda a administração daquelas terras à ordem guerreira dos monges de Santiago d’Espada, tal parece sugerir que é essa a origem do outro topónimo “Mato do Ordem” daí em doravante igualmente usado com frequência na documentação histórica. Talvez a finalidade destas terras situadas entre os termos de Tavira e Cacela ganharam este nome em virtude de as matas serem generosas gomeiras, se de pinheiros bravos ou de outras resinosas, já Quinta da Gomeira Google Mapsnão há maneira de averiguar.
Actualmente o termo subsiste para referir apenas os terrenos existentes entre a N125 e a linha de Comboio para norte do lugar da Canada e a oeste da Conceição. Canada é igualmente outro topónimo bem antigo, e a origem por sua vez  terá a ver com o canavial que acompanha a ribeira da Conceição (chamada por alguns de Benamur) até à sua foz na ria. Ele no passado foi usado para delimitar propriedades, para além de ter sido dele a origem da primeira estrada de Conceição a Cabanas.
Regressando à questão do termo “Gomeira”, devido à sua antiguidade, a sua origem poderá ser árabe, visto ser referido logo a seguir à conquista de Tavira aos mouros.

Bibliografia:

  • Anica, Arnaldo Casimiro – Monografia da Freguesia da Conceição de Tavira, 2008

  • Anica, Arnaldo Casimiro – Tavira e o seu termo.

  • Chagas, Ofir – Tavira, Memórias de uma cidade.