Para quem costuma frequentar Cabanas, de certeza já deparou com o antigo posto da guarda fiscal erigido numa subida no acesso de saída da vila pela Rua Vasco da Gama.
Este foi o primeiro edifício público construído em Cabanas (se considerarmos o Forte fora desta equação e vamos ver porquê), e sendo o primeiro local a receber uma unidade militarizada (uma vez que o forte, uma vez mais, é anterior à criação da vila), representando a sua construção um ponto um eixo na expansão do então incipiente lugarejo conhecido por Cabanas da Armação.
A Guarda fiscal foi criada em 1885 pelo terceiro governo liberal de Fontes Pereira de Melo e tornou-se rapidamente uma guarda presente em todo o país, nas zonas limítrofes do “rectângulo” continental português, com um contacto muito directo com as populações. As suas funções eram controlar o contrabando, verificar a qualidade dos produtos das actividades do sector primário e a vigilância da costa.
Em Cabanas, temos notícia de que o Forte de São João da Barra conservou uma guarnição de artilharia até 1896, quando esta foi substituída por um corpo da guarda fiscal, que lá permaneceu quando em 1905, quando o proprietário da fazenda da Barroca, Joaquim de Mendonça e Melo Trindade, um dos maiores proprietários rurais do concelho, adquiriu a propriedade do Forte em troca de subsidiar a construção do actual posto.
Porque motivo foi feito este negócio ? Podemos apenas com alguns indícios tentar reconstruir quais os motivos.
Por um lado, a localização do forte, estando o mesmo situado em função da localização de uma barra litoral ancestral que depois migrou para outra posição a leste no cordão dunar, estando ao mesmo tempo bastante afastado do primitivo núcleo populacional de Cabanas, que se vinha a desenvolver no sentido a leste do caminho da Canada. Será preciso também verificar a importância da armação de atum mais próxima, a Armação da Abóbora, que então se situava, de acordo com fotos que podemos ver num artigo anterior, ficava situada um quilómetro ou dois a leste. Os atuns capturados tinham de ser alvo de controle por parte da Guarda fiscal para deduzir o respectivo imposto do pescado. O acesso à ilha e a vigilância constante da costa seriam os principais motivos da sua presença.
Nunca foi investigado se em frente ao forte existiria um eventual atracadouro onde a guarda fiscal disporia de embarcações que lhe permitiria mover os guardas entre o forte e a armação, assim como do papel da vigilância da costa.
Sabemos que o forte de Cacela também passou para a Guarda Fiscal, e o mesmo continua a servir essa função mesmo depois da extinção e integração da dita guarda na GNR em 1993. Mas sabemos que Cacela tem condições muito especiais que facilitam o trabalho de vigia do litoral partir dali, de forma que essa unidade da guarda nunca tenha de lá saído.
Em 1905 esta zona da actual vila estaria entregue à natureza e seria por ventura local limítrofe entre quintas e a praia. O areal estender-se-ia ao longo de toda a actual marginal (de acordo com mapa de 1874) . Neste areal o peixe proveniente seria descarregado para os agentes exercerem a sua actividade de fiscalização. Uma lota seria construída mais tarde no local onde se encontra a actual junta e mercado para centralizar esta tarefa.
A nova localização permitiria aos agentes estarem mais próximos do local de desembarque do pescado e das embarcações. A construção do posto neste lugar teve um impacto na medida que os novos guardas que foram sendo recrutados foram construindo habitações de família em redor do posto. O beco onde se situa o posto teria casas dessa natureza, assim como a que veio a ser nova marginal de casas mais perto da praia. Neste arruamento, estabeleceu-se um meu bisavô que também passou pela Guarda , tendo casado em 1913 com 23 anos, assim como outro colega com o qual tinha paredes meias. Todas elas foram sendo construídas por esta altura.
Mais tarde, quando foi vedado o acesso de residentes locais ao ingresso na Guarda, porventura por causa de eventuais favorecimentos, isto terá impedido a progressão no estabelecimento de residentes que assumiam a farda perto do seu local de trabalho.