Diogo de Mendonça Corte-Real, um tavirense secretário de estado de João V e personagem na série de TV “Madre Paula”.
Tenho acompanhado a par e passo a série a ser exibida na RTP às quartas-feiras Madre Paula, não só por se tratar de uma produção histórica, algo ficcionada baseada no romance homónimo de Patrícia Müeller sobre as aventuras amorosas do rei magnânimo João V no Convento de Odivelas, mas também pela presença do secretário-de-estado chamado apenas de “Corte-Real” durante a história. Acontece que o nome completo deste senhor é Diogo de Mendonça Corte-Real, e nasceu em Tavira a , 17 de junho de 1658 , na então conhecida por Rua da Mó Alta(Chagas, 2004)(1) e descendente de um ramo colateral (os “Mendonça Corte-Real”) do tronco original “Corte-Real” de Tavira do século XV(2). Na série televisiva, o papel é desempenhado pelo actor Guilherme Filipe .
Este D. Diogo estudou leis em Coimbra e serviu de embaixador na Holanda (então chamada “República das Províncias Unidas”) a Pedro II, pai de João V.
Portugal e a Holanda, viviam, desde o início do século XVII, e com a criação da Companhia das Índias Orientais por parte dos holandeses, um estado de guerra quase permanente, conquistando muitas possessões portuguesas e fazendo pirataria ao nosso comércio marítimo. Por virtude de Diogo de Mendonça Corte-Real, os estados gerais da Holanda concederam em pagar uma indemnização de Oitenta mil patacas a Portugal.
Como prémio deste feito, Pedro II considerou movê-lo para embaixador em Espanha e por lá se manteve durante dez anos, até regressar a Portugal por virtude da Guerra de Sucessão Espanhola. Esteve envolvido por parte de Portugal nas negociações do tratado de Utreque, que pôs termos ao conflito e que da parte do Portugal ajudou ao reconhecimento da colónia portuguesa entre os Rios Amazonas e Oiapoque, para além da soberania da colónia do Sacramento, actualmente dentro do Uruguai.
Este desenho do sítio da Conceição tem pelo menos 230 anos e saiu das mãos do engenheiro e brigadeiro José Sande de Vasconcelos. A legenda está praticamente ilegível e parecem serem visíveis várias casas e uma pessoa que possivelmente o desenhador pediu para posar no centro e que penso corresponder ao da fonte que existia…
Prospecto do Lugar da Conceição tirado do ponto a segundo o Coronel José Sande de Vasconcelos, parte de “Cidade de Tavira e seus arredores”, datado de 1780 (original: http://purl.pt/22228 )
Este desenho do sítio da Conceição tem pelo menos 230 anos e saiu das mãos do engenheiro e brigadeiro José Sande de Vasconcelos. A legenda está praticamente ilegível e parecem serem visíveis várias casas e uma pessoa que possivelmente o desenhador pediu para posar no centro e que penso corresponder ao da fonte que existia (Anica, 2008) onde é agora o Parque Infantil. Ao fundo, à direita vê-se as costas da Igreja. Apercebemo-nos de uma rua que corre de uma ponta à outra do desenho, que penso que seja a Estrada Real que ia de Tavira a Castro Marim, o caminho para as Cabanas devia estar por aqui, um bocado mais para a direita, ou se calhar nem visível. Afinal naquela altura Cabanas já aparece em documentos e além do mais, teria que existir um caminho para o Forte de São João.
Sande de Vasconcelos na carta afirma que o desenho foi tirado do ponto a (pode-se ver onde está esse ponto na carta militar de que este desenho vem incluído), que penso ser o terreiro onde os carros estacionam actualmente e que fica do lado esquerdo da Rua 25 de Abril para quem entra em Conceição vindo da Nacional 125 via Rotunda do Golfista (ou devia chamar-lhe Rotunda do Benamor ?) . O problema é que o tempo gastou de forma irrecuperável este documento. Mais sorte teve o desenho que engenheiro e cartógrafo militar com patente de Brigadeiro e mais tarde de Coronel fez de forma semelhante da Luz. Muita história ainda há-de se contar a respeito deste senhor. É aliás, de um excerto da mesma carta que foi extraído o banner deste blog, que comprova a primeira referência a Cabanas num mapa (apesar de haver registos de habitantes desde 1740).
Oprimeiro foral concedido a Tavira por Afonso III (1266) consagrou a criação da chamada Quinta D’El Rey, que fazia parte do chamado Reguengo de Tavira que era o nome que se dava ao conjunto de todos os bens reservadas por sua majestade no texto do dito foral. Deste reguengo estavam também incluídos os pertences do anterior governante mouro de Tavira, Ibn Fabilah, para além das salinas, moinhos, lagares e vinhas do dito líder mouro.
Todos os bens produzidos nessa quinta eram pertença do soberano, e livres de impostos. O que aconteceu durante algum e até à venda da dita Quinta a particulares é que a Quinta foi sendo aforrada (ou concessionada) a diferentes individualidades, como Fernando Álvares Pereira (séc. XIV), irmão do famoso Nuno Álvares, e mais tarde a alguns elementos da família Corte Real original de Tavira, primos afastados do santo condestável (século XVI a XVII). Da família Corte-Real transitou para a Condessa da Calheta já no século XVII. Daqui foi doada às irmãs de Santo Alberto (Anica, 1993), com convento em Lisboa, por via do facto da condessa ter entrado para o referido convento. Daqui transitou para outro proprietário, em 1771 pertence ao magistrado tavirense João Leal da Gama e Ataíde, ficando nesta família até 1854 quando a descendente a vende a José de Conceição Camacho e Luís António Teixeira Peres (Anica,1993). Estes por sua vez foram trespassando o terreno a outras individualidades, até que a Câmara a compra em 1960 , para dar início à urbanização daquela zona rural em plena cidade .
A fotografia que se divulga aqui dá conta do momento do actual Tribunal em Tavira, por volta dos anos 60, julgo. Como se pode bem ver, para além da omnipresença do telhado de tesouro, temos a construção de um edifício moderno, que se destaca, destinado a funções administrativas do Estado em plena zona verde da cidade.
O que ressalta sobretudo é uma ilha de casas modernas construída já durante o século XX que se encontra completamente rodeada pelo casario mais antigo que subsistiu na cidade. A Casa da Justiça de Tavira, o enorme prédio de dez andares que esteve anos por ser terminado do outro lado da rua Silvestre Falcão e que deixou um grande buraco à vista pelos alicerces durante o meio dos anos 80. Todas aquelas casas que vão até às traseiras do antigo Hospital do Corpo Santo (actualmente o colégio da Misericórdia) até à entrada principal do Quartel Militar da Atalaia pertenciam a este espaço agrário reservado a sua majestade, para Leste ele era limitado pela Rua do Montalvão e por Norte pelas casas que se vêm na foto, da antiga Rua Nova Grande, actualmente Rua da Liberdade. Continuar a ler “A Quinta d'El Rei”
Diziam os astecas quando viram a chegada das naus castelhanas vindas do mar comandadas por Hernán Cortez em 1521 que se concretizava a profecia da vinda do seus Deus Quetzálcoatl, a serpente emplumada, que haveria de preparar o fim do Império Asteca. A costa algarvia podia não estar ameaçada pelos castelhanos, pois já era bem…
Diziam os astecas quando viram a chegada das naus castelhanas vindas do mar comandadas por Hernán Cortez em 1521 que se concretizava a profecia da vinda do seus Deus Quetzálcoatl, a serpente emplumada, que haveria de preparar o fim do Império Asteca.
A costa algarvia podia não estar ameaçada pelos castelhanos, pois já era bem conhecida deles, mas também não estava a salvo da investida de corsários e piratas esclavagistas mouros que gostavam de pilhar sobretudo as igrejas e os conventos locais e sequestrar populares para venderem como mão-de-obra escrava.
Não existem relatos concretos de investidas da pirataria moura, mas as mais antigas fortificações na zona da Ria Formosa, ao contrário das da linha da Foz do Tejo, não resistiram a maior parte delas em virtude do grande dinamismo deste troço da costa algarvia. De modo que as poucas fortificações que ainda subsistem são precisamente as que foram erguidas do lado interior da Ria, e não as que foram erigidas nos próprios cordões dunares.
Um dos mais antigos mapas conhecidos do Algarve, supõe-se que desenhado em meados do séc. XVIII, uma vez que Vila Real de Santo António ainda não surge nele, refere vários fortes na zona da Ria, alguns bem conhecidos e que sobreviveram (Rato, chamado de Forte Velho no mapa, São João da Barra, assinalado como da nova barra de Tavira e, finalmente, Cacela) e outros que foram submersos (São Lourenço) na saída para o mar dos portos de Olhão e Faro. Não são conhecidos mais fortes nas ilhas da zona de Faro que tivessem sobrevivido à erosão.
Excerto de mapa da costa leste algarvia de meado do séc. XVIII.
Na cartografia dos espaços fortificados existentes em finais do século XVIII é de destacar o papel do engenheiro militar José Sande de Vasconcelos. Responsável pelo governador militar do Algarve por inventariar o estado de todas as baterias e fortificações costeiras, para além de ter estado envolvido na construção do Quartel da Atalaia em Tavira e na edificação do zero de Vila Real de Santo António, histórias que ficarão para desenvolver noutras oportunidades. Para além de referir as mais bem conservadas : que são do Forte de Santo António (ou do Rato) em Tavira, São João da Barra em Cabanas e o Forte de Cacela. O denominador comum destes fortes é o mesmo: eles foram erigidos para defender a margem interior terrestre da Laguna das investidas de um atacante pelo mar consoante a localização da Barra Natural na época de construção: enquanto que o forte de Santo António foi erigido em meados do século XVI, pouco antes da malograda aventura de Alcácer Quibir, o de São João da Barra (que conserva no nome a origem da sua localização, foi terminado após o fim da guerra da restauração que se seguiu ao 1º de Dezembro) onde perto veio a crescer a povoação de Cabanas de Tavira e finalmente o forte de Cacela, erigido mais tarde quando o prolongamento do cordão dunar tornou necessário também a existência de uma fortificação. Para mais, a fortificação de Cacela é um elemento moderno numa porção de uma povoação que perdeu população e que era sede de concelho que separava Tavira de Castro Marim (extincto pela criação do concelho de Vila Real). É de crer que no passado Cacela seria defendida por um poderoso castelo de maior dimensão: o castelo de Cacela que foi conquistado aos mouros pelos cavaleiros da Ordem de Santiago. Continuar a ler “Fortes, muralhas e castelos para proteger dos males que vêm do mar”
Do Ancão a Manta Rota, por essa costa fora, um areal praticamente contínuo estende-se como uma corda frouxa em arco perfeito protegendo zonas de sapal, canais de navegação e acessos a portos e docas de recreio. Estamos na Ria Formosa, alvo de protecção especial de acordo com os valores naturais que ostenta. Nas esta corda de areia não é perfeita, na realidade, ela é interrompida em seis pontos, originando um total de sete segmentos. Quatro destes pontos não ficam no mesmo lugar e movem-se para leste, os outros dois são fixos. Este complexo sistema dunar tem milénios de existência, terá começado após o fim da Última Glaciação há 15 mil anos e terá conhecido diferentes encarnações, sendo que os mais antigos foram sendo incorporados em terra firme, provocando o recuo do mar em contraposição ao avanço da costa.
As movimentações destes pontos que individualizam os segmentos ao longo de séculos tiveram consequências para o desenvolvimento das áreas urbanas no que toca às suas suas comunicações com o mar. Também determinaram a construção dos sistemas defensivos, de que são testemunho os fortes militares deixando pelo passar do tempo e outras construções, como os moinhos de maré ou as salinas.
O dinamismo do cordão dunar da Ria Formosa é de tal forma complexo que existe uma multiplicidade de estudos relativos relativamente à maneira de manter os ritmos naturais em harmonia com as necessidades, especialmente no que toca à necessidade manter a estabilidade dunar das ilhas barreiras e das comunicações para o mar relativas às actividades portuárias que têm lugar em diferentes locais neste sistema lagunar, sendo de destacar Tavira, Olhão e Faro e em menor escala Fuzeta, Santa Luzia, Cabanas e Cacela.
Em baixo um pormenor do vídeo que mostra a deslocação da Barra chamada do “Lacém” durante um período de 32 anos, de 1984 a 2016.
Topónimos são nomes que usamos para nos referirmos coloquialmente a lugares geográficos ou populacionais sem sabermos realmente da sua origem, cuja memória se perde desde tempos imemoriais.
Gomeira é porventura o topónimo mais antigo em toda a freguesia da Conceição. Ele persiste no nome de uma fazenda privada e na urbanização da “Quinta da Gomeira”, para além de figurar também na pesquisa de base de dados de códigos postais dos CTT, entre outros.
O “Google Maps” também aponta para um lugar com essa denominação e não parecem existir muitos mais lugares em Portugal com o mesmo nome. De acordo com o Dicionário luso-brasileiro “Gomeira” é um nome colectivo que pode ser usado de modo genérico para indicar árvores de frutos mas também para designar prados de plantas que libertam gomas, nomeadamente resinas. Estaria a designar uma mata de pinheiros bravos que é uma árvore resinosa ? Mas o facto de o termo ter sido usado pela primeira vez por Afonso III no seu foral de Tavira pouco tempo após a conquista da cidade do Séqua sugere que o termo já existia no século XIII, ou pelo menos terá sido criado nesse tempo. Como no mesmo foral o referido rei entrega toda a administração daquelas terras à ordem guerreira dos monges de Santiago d’Espada, tal parece sugerir que é essa a origem do outro topónimo “Mato do Ordem” daí em doravante igualmente usado com frequência na documentação histórica. Talvez a finalidade destas terras situadas entre os termos de Tavira e Cacela ganharam este nome em virtude de as matas serem generosas gomeiras, se de pinheiros bravos ou de outras resinosas, já não há maneira de averiguar. Actualmente o termo subsiste para referir apenas os terrenos existentes entre a N125 e a linha de Comboio para norte do lugar da Canada e a oeste da Conceição. Canada é igualmente outro topónimo bem antigo, e a origem por sua vez terá a ver com o canavial que acompanha a ribeira da Conceição (chamada por alguns de Benamur) até à sua foz na ria. Ele no passado foi usado para delimitar propriedades, para além de ter sido dele a origem da primeira estrada de Conceição a Cabanas. Regressando à questão do termo “Gomeira”, devido à sua antiguidade, a sua origem poderá ser árabe, visto ser referido logo a seguir à conquista de Tavira aos mouros.
Bibliografia:
Anica, Arnaldo Casimiro – Monografia da Freguesia da Conceição de Tavira, 2008
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