A “Azinhaga dos Defuntos”

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Uma muralha dentro da propriedade vizinha…

Aproveitando o facto de hoje ser o “dia dos mortos”, uma festividade que pouco ou nada tem a ver a Liturgia Católica (mas então o carnaval tem?), aproveitei para vir falar dum velho caminho, quiçá esquecido dos mais jovens, que era chamado de “Azinhaga dos Defuntos”.
No passado dia 16 de Setembro, domingo, de manhã, aproveitei para ir ver no terreno se ainda existiam vestígios da chamada “Azinhaga dos Defuntos”, um caminho rural da freguesia, que segundo tinha ouvido contar por um amigo de Cabanas – ( o “grande” Hermínio Afonso) que viveu a infância na antiga fazenda do Benamor, onde o avô era caseiro – que a delimitava pelo lado leste. Dizia ele que tinha esse nome pelo facto de as pessoas da Serra transportarem por ele os corpos dos seus entes queridos antes de lhes darem os últimos sacramentos na Igreja, celebrarem o seu funeral e transportarem-no para a sua derradeira morada. Ora sendo a Conceição freguesia desde o século XVI e a Quinta do Benamor também antiga, terão decorrido uns quatrocentos anos em que esta “azinhaga” (ou caminho rural) deve ter sido efectivamente usada, perdurando na memória oral colectiva da população a existência desse caminho. Acontece que, ao chegar à povoação, atravessava por um vau o Ribeiro da Conceição para a outra margem (uma vez que o leito do ribeiro vem de nordeste). E dizia mais o meu velho amigo que esse caminho depois continuava pela margem esquerda do ribeiro até terminar na Conceição junto da chamada “Casa Velha”, um estabelecimento situado logo a seguir a passar por cima do ribeiro, do lado norte da Rua 25 de Abril.

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Praça da República ao longo dos últimos 150 anos

Esta galeria  mostra como foi a actual Praça da República, centro de Tavira, com os Paços do Concelho e a Ponte Romana, desde 1880, grosso modo, ainda em monarquia liberal (chamava-se praça da Constituição) até aos anos 60-70  do século XX (data da construção da ponte da EN125 que tirou o trânsito do centro da…

Esta galeria  mostra como foi a actual Praça da República, centro de Tavira, com os Paços do Concelho e a Ponte Romana, desde 1880, grosso modo, ainda em monarquia liberal (chamava-se praça da Constituição) até aos anos 60-70  do século XX (data da construção da ponte da EN125 que tirou o trânsito do centro da cidade). Tentei dar o que me pareceu ser a ordem cronológica mais intuitiva, sem na posse efectiva de qualquer espécie de datas.

Actualizei a galeria com fotos a cores para ficar com a galeira mais “completa”, chegando até aos dias de hoje, e das alterações que sofreu com o “efeito Macário”.

Fontes de foram obtidas as fotos:

 

Jornal "Povo Algarvio"

Curioso tenho eu andado a querer saber mais de cada uma das pontes de Tavira. Da romana, já muito se escreveu e disse, que não é romana, se bem que a forma dos seus arcos ainda faz lembrar as típicas pontes romanas, que foi alvo de sucessivas reconstruções ao longo de séculos, etc.
Das outras pontes, as que foram construídas já neste século as mais antigas são as pontes ferroviária (concluída em 1905, salvo erro) e a ponte da Estrada Nacional 125 ou “Ponte do Séqua”, inaugurada em 1968.
Há mais pontes, eu sei, foram construídas mais três e uma delas era apenas para servir de solução provisória (Ponte das forças armadas), a Ponte das Salinas ou Ponte Nova, e a Ponte de Santiago ou simplesmente “Ponte Azul” (eu prefiro-lhe chamar “Ponte da Belafria”). Se contarmos a Ponte de São Domingos, que já está fora do perímetro urbano, são ao todo actualmente sete pontes (sem contar o viaduto da A22), mas que servia evidentemente para os moradores da Serra poderem atalhar caminho sem terem que descer toda a margem esquerda e internarem-se pelo sector “leste” da cidade para depois atravessarem a Ponte Romana e chegarem ao mercado. Sob esta última ponte ainda não consegui encontrar nada na bibliografia e a respeito do convento associado consagrado ao mesmo santo.
Relativamente à Ponte do Séqua, existe uma inscrição do próprio ano de inauguração à entrada da ponte:

JAE (1968)

Alguém me sugeriu (concretamente, o amigo Ofir Chagas), que consultasse o “Jornal Povo Algarvio” referente às datas entre 1966 e 1968. E assim fiz, desloquei-me à biblioteca municipal, da qual tenho cartão de leitor – biblioteca, aliás, ainda está em obras – pedi pelos volumes referentes àqueles anos e o que me puseram nos braços foi três capas volumosas com a compilação deste jornal para os anos referidos. Acontece que os exemplares do dito jornal não era já o papel original, mas apenas fotocópias. Não que isso diminuísse a qualidade da consulta e o meu propósito. Mas o papel das fotocópias é mais pesado que o papel de jornal, e o peso dos volumes das compilações eram bem pesados. Só estes três volumes anuais de jornal preencheram a capacidade disponível máxima dos meus braços para agarrar, de forma que quando entrei na sala de leitura tive sorte de um passante me abrir a porta por inteiro para eu poder passar porque, como disse, estava com os braços completamente ocupados com os ditos três volumes. Sentei-me ali logo nas primeiras mesas à direita que dão para o pátio, ainda em obras e que eram o pátio da antiga prisão, e depois de desarmar o laço que segurava as capas do ano de 1966, dei-me de caras com a edição de Ano Novo de 1966.
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O secretário-de-estado “Corte-Real”

Diogo de Mendonça Corte-Real, um tavirense secretário de estado de João V e personagem na série de TV “Madre Paula”.

Tenho acompanhado a par e passo a série a ser exibida na RTP às quartas-feiras Madre Paula, não só por se tratar de uma produção histórica, algo ficcionada baseada no romance homónimo de Patrícia Müeller sobre as aventuras amorosas do rei magnânimo João V no Convento de Odivelas, mas também pela presença do secretário-de-estado chamado apenas de “Corte-Real” durante a história. Acontece que o nome completo deste senhor é Diogo de Mendonça Corte-Real, e nasceu em Tavira a , 17 de junho de 1658 , na então conhecida por Rua da Mó Alta(Chagas, 2004)(1) e descendente de um ramo colateral (os “Mendonça Corte-Real”) do tronco original “Corte-Real” de Tavira do século XV(2).  Na série televisiva, o papel é desempenhado pelo actor Guilherme Filipe .

Este D. Diogo estudou leis em Coimbra e serviu de embaixador na Holanda (então  chamada “República das Províncias Unidas”) a Pedro II, pai de João V.

Portugal e a Holanda, viviam,  desde o início do século XVII, e com a criação da Companhia das Índias Orientais por parte dos holandeses, um estado de guerra quase permanente, conquistando muitas possessões portuguesas e fazendo pirataria ao nosso comércio marítimo. Por virtude de Diogo de Mendonça Corte-Real, os estados gerais da Holanda concederam em pagar uma indemnização de Oitenta mil patacas a Portugal.

Como prémio deste feito, Pedro II considerou movê-lo para embaixador em Espanha e por lá se manteve durante dez anos, até regressar a Portugal por virtude da Guerra de Sucessão Espanhola. Esteve envolvido por parte de Portugal nas negociações do tratado de Utreque, que pôs termos ao conflito e que da parte do Portugal ajudou ao reconhecimento da colónia portuguesa entre os Rios Amazonas e Oiapoque, para além da soberania da colónia do Sacramento, actualmente dentro do Uruguai.

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A Quinta d'El Rei

Oforalvelhotavira1266 primeiro foral concedido a Tavira por Afonso III (1266) consagrou a criação da chamada Quinta D’El Rey, que fazia parte do chamado Reguengo de Tavira que era o nome que se dava ao conjunto de todos os bens reservadas por sua majestade no texto do dito foral. Deste reguengo estavam também incluídos os pertences do anterior governante mouro de Tavira, Ibn Fabilah, para além das salinas, moinhos, lagares e vinhas do dito líder mouro.
Todos os bens produzidos nessa quinta eram pertença do soberano, e livres de impostos. O que aconteceu durante algum e até à venda da dita Quinta a particulares é que a Quinta foi sendo aforrada (ou concessionada) a diferentes individualidades, como Fernando Álvares Pereira (séc. XIV), irmão do famoso Nuno Álvares, e mais tarde a alguns elementos da família Corte Real original de Tavira, primos afastados do santo condestável (século XVI a XVII). Da família Corte-Real transitou para a Condessa da Calheta já no século XVII. Daqui foi doada às irmãs de Santo Alberto (Anica, 1993),  com convento em Lisboa, por via do facto da condessa ter entrado para o referido convento. Daqui transitou para outro proprietário, em 1771 pertence ao magistrado tavirense João Leal da Gama e Ataíde, ficando nesta família até 1854 quando a descendente a vende a José de Conceição Camacho e Luís António Teixeira Peres (Anica,1993). Estes por sua vez foram trespassando o terreno a outras individualidades, até que a Câmara a compra em 1960 , para dar início à urbanização daquela zona rural em plena cidade .
A fotografia que se divulga aqui dá conta do momento do actual Tribunal em Tavira, por volta dos anos 60, julgo. Como se pode bem ver, para além da omnipresença do telhado de tesouro, temos a construção de um edifício moderno, que se destaca, destinado a funções administrativas do Estado em plena zona verde da cidade.

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Construção da actual Casa da Justiça em Tavira (1960). Na foto podem-se ver as modernas ruas Silvestre Falcão (em frente) e a Rua Augusto Carlos Palma, com a qual a outra faz esquina. Do outro lado da rua haveriam de surgir as mordenas instalações da Telecom. Foto encontrada em https://www.pinterest.pt/libertex66/tavira-antiga/ .

O que ressalta sobretudo é uma ilha de casas modernas construída já durante o século XX que se encontra completamente rodeada pelo casario mais antigo que subsistiu na cidade. A Casa da Justiça de Tavira, o enorme prédio de dez andares que esteve anos por ser terminado do outro lado da rua Silvestre Falcão e que deixou um grande buraco à vista pelos alicerces durante o meio dos anos 80. Todas aquelas casas que vão até às traseiras do antigo Hospital do Corpo Santo (actualmente o colégio da Misericórdia) até à entrada principal do Quartel Militar da Atalaia pertenciam a este espaço agrário reservado a sua majestade, para Leste ele era limitado pela Rua do Montalvão e por Norte pelas casas que se vêm na foto, da antiga Rua Nova Grande, actualmente Rua da Liberdade.
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Uma costa que não sabe ficar quieta!

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Animação ilustrando 32 anos de movimentos costeiros das barras da Ria Formosa, de 1984 a 2016 (fonte: Google Earth Engine)

Do Ancão a Manta Rota, por essa costa fora, um areal praticamente contínuo estende-se como uma corda frouxa em arco perfeito protegendo zonas de sapal, canais de navegação e acessos a portos e docas de recreio. Estamos na Ria Formosa, alvo de protecção especial de acordo com os valores naturais que ostenta. Nas esta corda de areia não é perfeita, na realidade, ela é interrompida em seis pontos, originando um total de sete segmentos. Quatro destes pontos não ficam no mesmo lugar e movem-se para leste, os outros dois são fixos. Este complexo sistema dunar tem milénios de existência, terá começado após o fim da Última Glaciação há 15 mil anos e terá conhecido diferentes encarnações, sendo que os mais antigos foram sendo incorporados em terra firme, provocando o recuo do mar em contraposição ao avanço da costa.

As movimentações destes pontos que individualizam os segmentos ao longo de séculos tiveram consequências para o desenvolvimento das áreas urbanas no que toca às suas suas comunicações com o mar. Também determinaram a construção dos sistemas defensivos, de que são testemunho os fortes militares deixando pelo passar do tempo e outras construções, como os moinhos de maré ou as salinas.

O dinamismo do cordão dunar da Ria Formosa é de tal forma complexo que existe uma multiplicidade de estudos relativos relativamente à maneira de manter os ritmos naturais em harmonia com as necessidades, especialmente no que toca à necessidade manter a estabilidade dunar das ilhas barreiras e das comunicações para o mar relativas às actividades portuárias que têm lugar em diferentes locais neste sistema lagunar, sendo de destacar Tavira, Olhão e Faro e em menor escala Fuzeta, Santa Luzia, Cabanas e Cacela.

Em baixo um pormenor do vídeo que mostra a deslocação da Barra chamada do “Lacém” durante um período de 32 anos, de 1984 a 2016.

BIBLIOGRAFIA:

A origem do topónimo "Gomeira".

Topónimos são nomes que usamos para nos referirmos coloquialmente a lugares geográficos ou populacionais  sem sabermos realmente da sua origem, cuja memória se perde desde tempos imemoriais.

Gomeira é porventura o topónimo mais antigo em toda a freguesia da Conceição. Ele persiste no nome de uma fazenda privada e na urbanização da “Quinta da Gomeira”, para além de figurar também na pesquisa de base de dados de códigos postais dos CTT, entre outros.

O “Google Maps” também aponta para um lugar com essa denominação e não parecem existir muitos mais lugares em Portugal com o mesmo nome. De acordo com o Dicionário luso-brasileiro “Gomeira” é um nome colectivo que pode ser usado de modo genérico para indicar árvores de frutos mas também para designar prados de plantas que libertam gomas, nomeadamente resinas. Estaria a designar uma mata de pinheiros bravos que é uma árvore resinosa ? Mas o facto de o termo ter sido usado pela primeira vez por Afonso III no seu foral de Tavira pouco tempo após a conquista da cidade do Séqua sugere que o termo já existia no século XIII, ou pelo menos terá sido criado nesse tempo. Como no mesmo foral o referido rei entrega toda a administração daquelas terras à ordem guerreira dos monges de Santiago d’Espada, tal parece sugerir que é essa a origem do outro topónimo “Mato do Ordem” daí em doravante igualmente usado com frequência na documentação histórica. Talvez a finalidade destas terras situadas entre os termos de Tavira e Cacela ganharam este nome em virtude de as matas serem generosas gomeiras, se de pinheiros bravos ou de outras resinosas, já Quinta da Gomeira Google Mapsnão há maneira de averiguar.
Actualmente o termo subsiste para referir apenas os terrenos existentes entre a N125 e a linha de Comboio para norte do lugar da Canada e a oeste da Conceição. Canada é igualmente outro topónimo bem antigo, e a origem por sua vez  terá a ver com o canavial que acompanha a ribeira da Conceição (chamada por alguns de Benamur) até à sua foz na ria. Ele no passado foi usado para delimitar propriedades, para além de ter sido dele a origem da primeira estrada de Conceição a Cabanas.
Regressando à questão do termo “Gomeira”, devido à sua antiguidade, a sua origem poderá ser árabe, visto ser referido logo a seguir à conquista de Tavira aos mouros.

Bibliografia:

  • Anica, Arnaldo Casimiro – Monografia da Freguesia da Conceição de Tavira, 2008

  • Anica, Arnaldo Casimiro – Tavira e o seu termo.

  • Chagas, Ofir – Tavira, Memórias de uma cidade.