A “Typographia Burocratica”

Há 140 anos, uma tipografia em Tavira notabilizou-se por uma ideia inovadora na altura: publicação dedicada apenas a anúncios classificados. Ideia de um parente de Fernando Pessoa. Foi a então “Typographia Burocratica”.

Antigas instalações da Tipografia na Rua Nova Pequena (1). A tipografia ocupava vários edifícios deste lado da rua (ver imagem seguinte) – do 1 ao 3 e do 7 ao 11 (5 portas) – o que dá para ter uma ideia da dimensões das suas instalações.

A Typographia Burocratica foi criada em Tavira, em 1882 por João Daniel Gil Pessoa (2) (3), primo irmão do pai de Fernando Pessoa, com instalações inicialmente na actual rua Jacques Pessoa nº5 e 7 (4). De lá mudou-se para aquelas que vieram a ser as suas instalações de maior duração, na artéria então conhecida por Rua Nova Pequena. Aí ocupou o espaço de 5 portas – quase todo o lado leste da rua.

O verdadeiro aspecto inovador da tipografia de João Gil Pessoa – para além da impressão de formulários, cadernos e outro material de escrita destinados a escriturários como ele próprio – foi o de criar uma publicação periódica dedicada exclusivamente a publicidade, o que hoje chamaríamos páginas de classificados ou páginas amarelas, mas que eram um conceito inovador para época. Essa publicação assumiu o nome Jornal de Anúncios de Tavira. Depois, através de uma rede de correspondentes, alargou o âmbito das publicações, criando novas versões de um Jornal de Anúncios para várias localidades algarvias (5) [1].

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  • (1) actualmente Rua Alexandre Herculano, ao virar da esquina oeste dos Paços do Concelho, onde se encontra a suposta efígie de Paio Peres Correia
  • (2) Empreendedor tavirense, trabalhou na Comarca de Tavira como escrivão, e para além da tipografia criou a Transportadora Tavirense que permitiu as primeiras carreiras entre Tavira e Lisboa e a moagem/panificadora no antigo Convento das Bernardas
  • (3) as escrituras redigidas por João Pessoa, incluídas no acervo documental do notariado de Tavira, estão guardados no Arquivo distrital de Faro, e cobrem um período de 1877 a 1901
  • (4) a rua marginal esquerda do rio, desde a Ponte Romana até à Ponte Provisória
  • (5) Alcoutim, Vila Real, Olhão, Faro, Loulé, Albufeira, Lagoa, Silves, Monchique, Portimão, Lagos, chegando inclusivamente a editar também para Cuba e Mértola, no Alentejo estavam entre as localidades cada uma com o seu Jornal de Anúncos
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O bébé D. Fernando (continuação)

No artigo anterior relativo ao filho de D.Rodrigo de Noronha
que nasceu em Tavira em 1761 , e o pai que foi o governador do Algarve que operou a mudança da sede do governo do Reino do Algarve de Lagos para Tavira após o terramoto, ficou a pairar a ideia se o filho de D. Rodrigo ao chegar à idade adulta teria ficado a constar nos anais da História Nacional. Graças ao geni.com, mais um dos sites de genealogia e dos poucos que deixam consultar as árvores genealógicos (com permissão dos seus editores) deparei-me com Fernando António Soares de Noronha, nascido em Tavira em 1741, a 30 de Julho. Fui verificar os cadernos disponíveis da paróquia de Santa Maria para os baptismos dessa data nada aparece, e para mais o nome de Rodrigo de Noronha figurava como pai. Na posse da prova da data correcta do nascimento da pessoa, contactei o responsável da árvore, mostrando-lhe a certidão de baptismo, e perante os nomes presentes na certidão, não dava lugar a dúvidas.

Antigo paço dos Noronha e Meneses, demolido para dar origem às actuais instalações da imprensa nacional (foto do blog Lisboa de Antigamente)
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A primeira referência a “Gomeira” num documento

Neste dia do ano de 1272 finalmente Afonso III e a Ordem de Santiago chegavam a acordo relativamente à propriedade de terras e bens no Reino do Algarve. Entre as terras que o rei concedeu à Ordem contava-se a “Herdade da Gomeira”.

Original do Tomo 3 da Chancelaria de Afonso III (folio 29 verso). A azul referência a “Gomeira”. A verde é visível “Tavila”, “Caçalla”, “Castrum Marim” e “Abenfabila”, último alcaide mouro de Tavira.

Já referi nos primeiros artigos deste blog que a referência a “Gomeira” vem desde tempos medievais, sendo o topónimo mais antigo da freguesia, e as ligações da mesma com a Ordem de Santiago, porque supostamente a jurisdição destas terras terá sido concedida por Afonso III em documento régio pouco tempo após a conquista cristã de Tavira. O Foral de Afonso III, datado de 1266, cujo texto se reproduz aqui em português actual, é no entanto omisso relativamente ao topónimo. Após algum tempo de pesquisa, consegui finalmente entender que a concessão à Ordem é feita fora do âmbito do foral, e feita no contexto das terras algarvias que Afonso III pretendia que ficassem na sua jurisdição após negociar com a ordem as terras que teriam sido conquistadas pelos espatários como foram Cacela, Ayamonte e  Tavira. Afonso III não tinha direito pleno sobre o Algarve, porque ainda estava sob a suserania do seu sogro Afonso X de Castela e Leão. No entanto, em 1267, com o tratado de Badajoz, Afonso III vai ver finalmente obter do seu sogro o direito de cedência da província mais meridional de Portugal no reino lusitano. Com esta questão da fronteira luso-castelhana definida, Afonso III vai então tratar com os representantes da Ordem de Santiago de resolver os diferendos relativos aos castelos e terras inicialmente detidos pela Ordem após a conquista dos castelos.

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O Sr. Marcelino

Ao estar a consultar os registos paroquiais da freguesia do fim do século XIX, para poder cruzar com os registos dos soldados da freguesia que foram combater na Flandres em 1917 deparei-me com o registo de baptismo de um senhor que em Cabanas ficou célebre. Trata-se do senhor Marcelino, nascido a 30 de Maio de 1897, que cheguei ao conhecer bem na infância. Já a minha avó, que tinha nascido em 1926 o conhecera e faleceu ainda antes dele em 1998, era adulto feito. Dizia ela que ele tinha 90 anos já na altura (na década de 80) e passeava-se de bicicleta por Cabanas sem contar o peso da idade. Pois bem, como podem bem ver pelo averbamento feito no Arquivo Distrital de Faro (!) o sr. Marcelino viveu até 2003, falecendo com 106 anos de idade e ainda me lembro de ver a reportagem dele na TVI acho que em 1998, já tinha ultrapassado a barreira dos 100 anos e passar a ter direito a usar uma idade com marca de três dígitos. O que me recordo dessa reportagem dizer que ainda que ainda subia ao telhado reparar as telhas da casa. Ele vivia na Rua José Correia do Nascimento, onde fica o restaurante da Grelha. Deve ter sido um caso num milhão, ou em dez milhões, o do sr. Marcelino, ter tido o privilégio de ter vivido em tres séculos diferentes.

Certidão de baptismo do sr. Marcelino José, a 30 de Maio de 1897, na Igreja da Conceição

Uma união de freguesias mas a Santa já não vem a Cabanas

Venho por esta via manifestar a minha estranheza para com o facto de mais uma vez este ano não se ter efectuado o trajecto da tradicional procissão no dia 8 de Dezembro, feriado devotado à padroeira nacional, Nossa Senhora da Conceição, com a procissão desde o local de repouso da imagem, na Igreja Paroquial até à vila de Cabanas. Há registos de que a procissão incluía a descida até à marginal de Cabanas, e se fazia todos os anos desde tempos imemoriais… mas isso terminou. E terminou desde o ano passado. Mas no ano passado ainda encetaram uma “visita” nocturna pouco anunciada uns poucos dias antes do dia feriado em Cabanas.

Traseiras do Igreja. Possível localização do primitivo cemitério.


Mas este ano nem isso sucedeu, viu-se uma procissão muito lânguida, mais curta que o habitual, sem a saída de outros imagens de santos como o São Luís e o São Sebastião, como era costume.
Diz o diz que disse que a Santa da Conceição se zangou com os cabanenses e é ciumenta, por eles terem decidido devotar-se a uma nova virgem, Nossa Senhora do Mar, cujas “Festas dos Pescadores” se realizam em Agosto. E por isso a Padroeira Nacional prefere dar a cara apenas aos seus devotos que moram no lugar outrora conhecido  por “Sítio da Igreja”.

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Estácio da Veiga e a sua casa rural das Cabanas da Conceição

Morreu há 127 anos na sua casa de Arroios em Lisboa o pioneiro da arqueologia portuguesa, Estácio da Veiga. Na data da sua morte vamos relembrar a casa rural que Estácio herdou do seu avô e as relações que manteve com a freguesia, onde não deixou de fazer também descobertas…

Muita gente não saberá, mas o emérito pioneiro da Arqueologia portuguesa Estácio da Veiga possuía uma casa rural em Cabanas , consoante relata Arnaldo Anica na sua Monografia de Cabanas [1]. Rural na época em que ele viveu (1828-1891), porque neste momento tal edifício a existir algum vestígio dele, já foi complemente ocultado debaixo do avanço do betão turístico contemporâneo. As propriedades de Estácio na freguesia da Conceição chegaram-lhe por via de propriedades do avô, o tenente-coronel Sebastião Martins Mestre – um dos líderes da resistência contra as incursões franceses no Algarve –  possuía na freguesia.

Estácio da Veiga na época do seu casamento com Amélia de Claranges Lucotte. Reprodução fotográfica emoldurada na metade esquerda de um porta-retratos de casal, correspondendo a outra metade à de sua mulher. Do arquivo da família, ver [1]. Foto reproduzida do site do CIIPC.

Sebastião Martins Mestre, avô materno e padrinho de Estácio da Veiga, é uma personagem de  muito pouco se sabe a respeito de suas origens, mas novas investigações permitem estabelecer que nasceu em Arenilha (actual Vila Real), algures entre 1762 e 64. Fez parte do regimento de infantaria de Tavira, de onde mais tarde emigrou para Gibraltar onde conheceu a sua esposa, britânica de nascimento, Mary Phillips. As suas ligações com os ingleses permitiram o apoio da Royal Navy no levantamento da resistência algarvia contra a presença francesa no Algarve aquando da 1ª Invasão Francesa (1808). Após a retirada francesa, ficou como governador dos fortes de Cacela e de São João da Barra de Tavira [1], sendo mais tarde presidente da Câmara Municipal de Tavira em 1820 e finalmente Governador Militar de Vila Real de Santo António.  Foi na freguesia da Conceição que Sebastião Martins Mestre foi proprietário de um casa rural em Cabanas (naquela altura chamadas -da Conceição) e uma fazenda no sítio conhecido como Arrancada .  Esta última situa-se próximo do lugar onde actualmente se situa a actual Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR do Almargem). Não é conhecida a forma de como Sebastião Mestre terá adquirido estes bens, mas será tema para explorar num futuro artigo.  Certo é que ambas as propriedades passaram para o seu neto Estácio da Veiga. 

O objectivo deste post não é falar da obra do arqueólogo tavirense, sobejamente conhecida, mas das suas relações com a freguesia da Conceição, e as referências que a ela faz. 

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O bébé “D. Fernando”

ACTUALIZAÇÃO: em que se tornou D. Fernando quando chegou à vida adulta !? Deixei a resposta para este outro artigo.

Nos registos paroquiais, principalmente nos de baptismo, é muito frequente ver anotado na margem o primeiro nome da criança que acabou de receber os santos óleos. Tenho pesquisado cadernos paroquiais na senda da descoberta dos meus antepassados, mas enquanto vasculhava o caderno respeitante ao período 1760-1765, deparei-me com esta preciosidade: uma nota na margem do caderno com um bem visto “D.” antes de “Fernando”, respeitante a um bébé acabado de nascer em Tavira a 13 de Junho de 1761 e baptizado na Paróquia de Santa Maria do Castelo. Acontece que o pequenino D. Fernando, de seu nome completo “Fernando António José Bento Domingos Xavier Balthazar Joaquim João de Noronha” era filho do governador do reino do Algarve D. Rodrigo de Noronha, que havia seis anos antes mudado a sede oficial do Governo do Algarve de Lagos para Tavira, após os tremendos estragos feitos pelo terramoto na cidade barlaventina, onde havia inclusive perdido o filho de nome Francisco (8). Ao mudar-se para Tavira, D. Rodrigo de Noronha quis garantir um poiso mais seguro, uma vez que Tavira havia resistido ao terramoto. Seis anos mais tarde, foi recompensando pelo nascimento deste filho. D. Rodrigo António de Noronha era neto do 3º Marquês de Marialva D. Diogo de Noronha por casamento deste com a marquesa neta de António Luís de Meneses , o herói da Batalha das Linhas de Elvas, o  primeiro marquês. No entanto, no ano seguinte, D. Rodrigo abandonaria o cargo, deixando-o para o Marquês de Louriçal , após a resistência da esposa D. Maria Antónia em permanecer no Algarve, debaixo de grandes dificuldades económicas num reino ainda a recuperar das ruínas do fatal terramoto.(9)

Mapa de Tavira e seu litoral (1951)


Carta Militar do instituto geográfico do Exército de 1951, dez anos após o ciclone de 1941. Situação do Litoral entre Fuzeta e Cabanas na altura. É visível a Barra do Cochicho que abriu em consequência do ciclone. Os quebra-mares da barra artificial aberta em 1930 – e que ainda estão visíveis no mapa – marcam a posição dessa barra entretanto assoreada. 

O figueiral e a vinha dos netos do Corsário do Almargem

Monumenta Henricina é uma obra arquivística que consiste numa compilação de documentos arquivados, a maioria na Torre do Tombo, relativos à época dos Descobrimentos, e mesmo antes desta, ainda em período medieval, no que se poderia chamar de período pré-expansão portuguesa. Foi compilado nos anos 60 pela Universidade de Coimbra . Todos os seus catorze volumes estão disponíveis online tanto no Google Books como no archive.org . Já aqui referi alguns documentos relativos à família Franca que se estabeleceu em Tavira por volta de fins do século XIII, começando por Lançarote da Franca que teria acompanhado Manuel Pessanha na sua vinda para Portugal e, dizem alguns é o Lanzarote Malocello que figura nos anais da História que redescobriu as Canárias para os europeus. Este Lançarote seria genovês, tal como o primeiro almirante da Marinha Portuguesa, e dedicar-se-ia tanto à defesa das costas portuguesas como ao corso. As duas coisas naqueles tempos não estavam separadas.

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